Sair do isolamento, da imperfeição, da insignificância e da camuflagem através do reconhecimento da realidade prepara-nos para os próximos passos.
Os erros existem para serem admitidos!
Admiti-los a outra pessoa e a Deus dói muito e não adianta procurar nova saída enquanto esta estiver bloqueando o caminho da recuperação.
Não é fácil admitir imperfeições e pedir perdão quando falhamos, mas de repente, levantar a cabeça e reiniciar tudo de novo, talvez seja menos penoso do que ficar se escondendo por trás de uma máscara.
A confissão é prática antiga e faz bem.
Através dela aflora do interior a sensação de alívio e a certeza de que estamos sozinhos.
Sem a admissão dos próprios defeitos poucos se mantêm sóbrios.
Segundo Platão “a alma imortal humana consiste de Três partes: a razão, a coragem e os instintos. Se estas três partes estiverem em equilíbrio o ser humano será feliz.”
Uma vez feito o 5º Passo, nossa meta é o equilíbrio!
5º Passo:
Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
“A saída do isolamento”
A partir de determinado período, imperceptivelmente a vida foi se tornando opaca, sem brilho; os dias de cor cinza e pesados tornaram-se constantes; a catarata alcoólica que adquiri com os excessos de drinques já não me deixava enxergar as tardes quentes com o teto azul. Um dia como outro qualquer, quando adentrava em um de meus templos sagrados para continuar fugindo da sobriedade, da normalidade que muito me incomodava, enquanto o balconista que estava com o litro suspenso despejava lá do alto o líquido transparente que alimentava minha insanidade, outro sujeito degustava uma cerveja e pelo tom como dirigiu a palavra a mim, devia me conhecer.
Enquanto agasalhava o copo com a destra, instantes antes de concretizar o ato mecânico que há anos me acompanhava, o homem indagou levantando a mão com alguma aspereza para interromper o arremesso que já não mais queimava: – espere, antes de você beber me responda uma coisa!
Parado com o copo na mão fiquei olhando para ele que concluiu, apontando para o meu gogó: – há quantos anos por essa sua garganta o sabor de uma vitamina de abacate?
Depois de sorver aquele trago me retirei esbravejando ao bebedor de cerveja.
Aquelas palavras, que inicialmente me infectaram com ódio, também me deixaram reflexivo.
– É verdade, disse mentalmente a mim mesmo. Sem precisar fazer muito cálculos, com tal certeza, havia pelo menos 10 anos que eu não saboreava uma boa vitamina e refletindo sobre isso observei mais adiante uma roda gigante; era um parque de diversões.
Minhas reflexões ganharam amplitude e no outro quarteirão, parecendo que algo ou alguém propositalmente me mostrava as coisas, enxerguei uma pequena multidão que saía por uma porta grande, era um cinema!
Carambolas, é verdade, existem cinemas!
Bombardeado por sucessivas lembranças, afinal eu já havia vivenciado aqueles momentos de descontração e alegrias, foi quando os olhos naufragados em lágrimas, compreendi o quanto eu havia me isolado do mundo, da vida.
Andei mais um pouco até a entrada do cinema só para ver qual o filme que estava passando, lá estava no cartaz: “Recomeçar é possível”!
Neste exato momento olhei para o céu e descobri que o mesmo estava azul, que o sol brilhava quente e convidava as pessoas para a praia.
Todo este turbilhão de emoções durou mais ou menos umas cinco horas. Durante este período não bebi nada e quando dei por mim estava passando em frente ao bar onde tudo começou e lá ainda estava o homem que me fez lembrar a vitamina. Entretanto ele já não mais estava só, pois a embriaguez já o abraçava e ao me ver do outro lado da rua veio ao meu encontro cambaleante; abriu a carteira, me deu um cartão de A. A. e com a voz enrolada me disse: – meu vizinho me deu, mas eu não sou alcoólico, para você vai servir.
Hoje já algum tempo sem beber, redescobri o paladar da vitamina, fiz as pazes com o sol e com as praias e já com a mente mais aberta, enxergando as coisas do 20º andar passei a observar a vida por outro prisma, com mais abrangência, olhando cada situação mais amplamente.
Antes de fazer parte do elenco me coloco como espectador e com essa nova forma de ver e entender as coisas descobri que o alcoolismo é um labirinto enorme, labirinto este onde encontrei muitas pessoas que como eu bailavam ao som dos copos e garrafas, sob o torpor perpétuo, avolumando a pandemia que assola a atrofia a evolução dos homens, das nações e do planeta.
Este labirinto, onde as pessoas se perdem, sofrem mutilações, deformidades emocionais e comportamentais afinal, o bisturi com o qual o cirurgião plástico esconde a velhice e restabelece a firmeza da pele é o mesmo bisturi que nas mãos hábeis da doença alcoólica realiza alterações no caráter e na moral do bebedor sem leme. Uma modifica por fora e o outro deturpa por dentro.
Diferente de manicômios e presídios, o isolamento mental não apresenta paredes que delimita meu espaço, ele me mantém próximo de tudo e de todos, mas tudo e todos estão contra mim, nunca concordam comigo; eu os vejo me criticando, me diminuindo, me ofendendo e me humilhando.
Entrincheirado por sacos repletos de mentiras, meus valores se modificam; não consigo apresentar os fatos como eles realmente são; tenho que acrescentar algo, adicionar alguma emoção, valorizar minha imagem em algum momento daquele acontecimento. Esse comportamento já faz parte do meu emocional, do meu íntimo modificado pelo bisturi do álcool.
Hoje, graças ao 5º Passo, já consigo reconhecer minhas imperfeições, minhas deficiências e minhas limitações.
Estou conseguindo desfazer a trincheira de mentiras que me isolou de mim mesmo, tenho vencido meu orgulho, pois dizer para outro ser humano que eu tenho falhas não é fácil, mas já foi muito mais difícil.
Quanto ao meu salvador, vez por outra o vejo no mesmo boteco, na maioria das vezes, governado pelo álcool que o transforma em poeta, filósofo e chato, muito chato.
Noutro dia lá esteve ele, descabelado, gritando palavras difíceis de compreender, parecia perguntar para alguém que só ele enxergava:
– Qual é o sabor da vida? Qual é o sabor da vida?
Sem que ele me visse, me aproximei por trás e murmurei algo baixinho em seu ouvido.
– Esse cara é maluco, disse o poeta do álcool, surpreso com a minha presença e minhas palavras.
Uma mulher que o abraçava perguntou o que estava acontecendo e ele respondeu com a voz tosca:
– Esse cara é maluco; acabou de me dizer que a vida tem sabor de vitamina de abacate, é mole?
A mulher que o abraçava, talvez para continuar em pé, fez cara de assombrada, cuspiu no chão e ambos entraram para a masmorra que os manterão isolados da maturidade, das oportunidades e deles mesmos.
(Fonte: Revista Vivência Nº 115 – Marco Antônio/Niterói/RJ)