Uma história que nos leva a pensar na importância do nosso Décimo Segundo Passo e da nossa Quinta Tradição.
Comecei a beber em casa, por volta dos cinco anos de idade. A primeira lembrança que tenho do álcool é no colo do meu pai. Ele me “ensinava” a beber uísque como gente grande.
Durante muito tempo achei que tinha aprendido, que bebia melhor que os outros. Afinal, tinha aprendido desde cedo. Cresci acreditando nisso. Bebia cada vez mais. Porém, ao contrário de imaginar que houvesse algum problema, estava convencida de que cada vez eu me tomava mais resistente ao álcool e cada vez bebia “melhor”.
Tive tudo do bom e do melhor. Estudei nos melhores colégios, fiz esportes, tive acesso às melhores informações. Morei nos Estados Unidos e na Europa, aprendi línguas, conheci pessoas e me formei numa faculdade. Descobri que adorava ler, me informar, e escolhi uma profissão nessa área. Só não percebia o rumo que minha vida ia tomando.
Comecei a me destacar profissionalmente na mesma proporção em que meu alcoolismo ia progredindo. Hoje entendo como essa guerra entre a progressão da minha doença – me levando para o buraco – e o potencial profissional que existia em mim, era dolorosa. Porque eu queria produzir no meu ritmo e a doença impunha o dela. Mesmo assim, consegui algumas coisas.
Mas ia mudando de turma. Cada vez a seleção dos meus amigos ia ficando mais rigorosa. Era o álcool quem os escolhia. Vi muitos colegas de profissão, profissionais destacados em suas áreas, reconhecidos publicamente, morrerem de cirrose. Mas aquilo estava tão longe de mim. Imagine, eu? Jamais. Eu sabia beber. Bebia bem, tinha aprendido em casa.
Alguns empregos e oportunidades sensacionais já tinham ficado pelo caminho, mas aquela falta de sorte entrava sempre na conta de algo muito bem justificado. Nunca me passou pela cabeça que o alcoolismo pudesse ser responsável por qualquer coisa que fosse.
Ao contrário, o álcool era o que de mais glamoroso acontecia na minha vida. Afinal, era o melhor companheiro de todas as horas. Era ele que me levava para as rodas inteligentes e era ele que me fazia sentir alguém.
Nunca, ninguém me disse que eu bebia diferente. Nunca, ninguém me explicou a razão daqueles porta-aviões que eu tinha que remar diariamente. Nunca alguém me sinalizou de onde vinha aquele baú de culpa que eu carregava apenas por abrir os olhos pela manhã. Me diziam que era uma fase. Diziam que ia passar.
Minha história não é diferente da de ninguém. Fui tão escravizada pelo álcool como qualquer companheiro. Passei pela cadeia, por dissabores, por tristezas incontáveis… Só não cheguei a uma clínica. Mas deveria ter ido para lá, dez anos antes do Poder Superior me pegar pela mão e me levar para uma sala de A. A.
Nunca, nenhum dos meus amigos intelectuais me disse que eu bebia muito. Nunca nenhum deles me falou que alcoolismo era uma doença. Nunca ninguém me avisou que o problema era o primeiro gole, que eu talvez devesse evitá-lo. Eu não sabia de nada.
Foi só quando entrei numa sala de A. A. pela primeira vez e os companheiros me disseram que eu não era sem-vergonha nem mau-caráter que alguma coisa começou a fazer sentido para mim. Eu estava certa de que A. A. era um lugar onde só havia bêbados e maltrapilhos e que aquilo não era para mim.
Eu, que tinha acesso a todo o tipo de informação, não sabia que Alcoólicos Anônimos ia salvar minha vida e explicar minha existência, dar sentido. Será que só eu não sabia? Será que outras pessoas têm acesso fácil ao A.A. e só eu não tive? Não digo que gostaria de ter conhecido Alcoólicos Anônimos antes, porque acredito que cheguei na hora em que tinha de chegar mas que seus maravilhosos princípios poderiam ser melhor divulgados, isso poderiam.
(Christiane, Rio de Janeiro)
Vivência nº 57 – Janeiro/Fevereiro 1999