“Tive que contar comigo e com o Poder Superior para realizar esta tarefa tão difícil!”.
Educar minha filha praticamente sozinha até agora foi, na verdade, um grande desafio.
Entrei em Alcoólicos Anônimos quando ela completava um ano.
Separei-me e hoje ela tem treze anos; não me casei novamente; não tenho ajuda financeira de ninguém. Tem sido uma batalha…
Não tenho um parente sequer e tive que contar comigo e com o Poder Superior para realizar esta tarefa tão difícil!
Passei por profundos sentimentos de culpa por ela não ter um pai presente, de não haver parentes para ela se relacionar e não ter uma imagem masculina por perto.
Sentia muito por ter que trabalhar o dia inteiro e ela ficar por onze horas na escola semi-integral.
Era constantemente acometida de dúvidas, se estava fazendo as coisas certas.
Sou psicóloga e sei a importância das coisas que não pude dar e sendo alcoólica sei também os defeitos de caráter que possuo. Mas, como sigo à risca a programação há algumas vinte e quatro horas, as coisas foram acontecendo e eu solucionando uma por vez.
Sempre vi minha filha em primeiro lugar. Entrei numa sala de recuperação por ela; para poder dar-lhe uma vida pelo menos digna!
Eu a adotei recém nascida e sabia que ela cresceria, e isso foi acontecendo rápido demais.
Seguindo a programação fui educando, acertando e errando e corrigindo meus erros.
Digo sempre aos companheiros que minha filha é filha de A.A., pois desde bebê ia às reuniões, uma vez que eu não tinha com quem deixá-la e os velhos companheiros se revezavam para cuidar dela enquanto eu assistia à reunião.
Hoje ela passa pela adolescência e é muito difícil deixá-la ir; permitir que faça coisas que têm potencial para magoá-la; deixá-la ir e ao mesmo tempo ainda mantê-la protegida é um malabarismo constante. É pensar e repensar a cada minuto as atitudes que devo ou não tomar.
Algumas coisas não há como não ensinar; tenho que deixá-la aprender por si mesma e isso é o mais difícil: ela tomar suas decisões e depois sofrer as conseqüências.
Hoje, educar tem sido uma das tarefas mais difíceis pra mim; dirijo minha empresa com os pés nas costas, mas educá-la é o maior desafio que o Poder Superior me deu; no entanto, é a tarefa mais gratificante e espetacular que fiz na minha vida.
Às vezes temos desavenças terríveis, gritos, portas batendo: a grande comunicação, como costumo chamar, mas isso é passageiro, pois somos as melhores amigas.
Precisei estudar muito a adolescência e A.A. me dá condições de pesquisar a respeito; ler livros, trocar idéias com companheiros e companheiras. Abri sempre meu coração na cadeira, partilhando, e no tête-à-tête, nos bastidores: chorei, sofri, mas estou conseguindo!
Aprendi que tenho de respeitar o espaço dela, seu quarto, suas particularidades, seus longos telefonemas, seus e-mails, sua individualidade; aprendi a fechar minha boca na hora certa e se uma das duas está irada, deixo a conversa pra bem depois e seguro minha ansiedade alcoólica.
As coisas não são como eu quero; reflito na oração da serenidade.
Quando a vejo sofrendo, ou por frustrações, brigas com amigas, ou seja, lá qual for o motivo, eu respeito; tudo dela eu levo a sério, nunca me passa pela cabeça que são bobagens de adolescente; eu respeito e pergunto se ela quer falar comigo a respeito, se não quiser, me calo e digo que estarei sempre com ela para o que der e vier e que a amo incondicionalmente.
Faça ela o que fizer, sempre estarei ao seu lado, pois ela é a razão do meu viver, do meu lutar e a razão por eu não beber nunca mais, só por hoje!
Deixo meu coração aberto para ela e declaro meu amor incondicional.
Sempre estou aberta a levá-la e buscá-la onde for e a as amigas a qualquer hora e procuro deixá-la sempre segura e confiante.
Ajudo nas paqueras e namoros e oriento, converso muito sempre; a cada oportunidade mostro a vida real e as conseqüências das atitudes que tomamos quando agimos sem pensar ou escondidas.
Aprendi principalmente a ser adolescente, a pensar como uma, mas com juízo, uma adolescente sem mentalidade alcoólica na ativa, mas em recuperação.
Aprendi a abrir meu coração e ser verdadeira e quando não sei uma resposta, digo filha não sei, mas vamos pesquisar juntas, pois não sou dona da verdade e nem sei tudo, não temo mostrar a ela que eu erro, mas sei pedir desculpas, a dar e não esperar nenhum beijo em troca, a estar sempre disponível e participar em tudo o que for solicitada.
Aprendi a não atrapalhar quando ela estiver com suas amigas; o espaço é dela e as amigas são dela, quando precisarem de mim irão me solicitar; aprendi também que ela não pode ocupar o espaço de um marido e eu tenho de aprender que eu sei viver e ter programas sem tê-la ao meu lado, sem requisitá-la; ela tem a vida social dela e eu devo ter a minha.
Aprendi muita coisa e hoje vejo que o Grupo de A.A. me ofereceu condições para isso; bastou eu me entregar de verdade; abrir meu coração e escutar muito sem colocar escudos na frente ou desculpas.
Tenho que estar na sala diariamente, pois o dia em que eu não for, posso perder uma grande mensagem e ela poderá nunca mais vir novamente.
Minha filha fica sozinha em casa nessas duas horas de reunião, mas eu aprendi a compensar essas duas horas e tiro de letra.
Tenho um exemplo que gosto: comparo as dificuldades da vida ou problemas como uma súbita falta de luz. Quando a luz se apaga não vemos mais nada, daí, aos poucos, vamos percebendo pouco a pouco os vultos dos móveis, etc. Vamos nos acostumando àquela situação e vamos tendo a percepção das coisas. É igual com a vida, quando tenho um problema, a primeira impressão é a de ficar cega, não enxergar a solução, mas devo ter calma, me acostumar àquela situação, que pouco a pouco a solução vem e vou percebendo, tendo visões de como solucioná-lo.
Eu estou orgulhosa de mim, estou satisfeita. Sinto-me capaz e realizada e o fruto disso tudo está aí, uma menina-moça linda, boa aluna, educada e feliz!
O Poder Superior me deu o maior presente que uma mãe poderia querer.
Eu plantei e estou colhendo.
Nunca é tarde para se iniciar uma plantação.
Fonte:Revista Vivência – Nº 94 – Mar/Abr.2005