Nova rota

Ele rodou desgovernado durante anos até decidir tomar a estrada de A.A., pela qual tem chegado a lugares jamais sonhados!

Sempre fui um competente motorista de caminhão, mas tenho que consul-tar uma lista para contar, um por um, os processos e boletins de ocorrências das vezes em que fui autuado por uso indevido de bebida alcoólica. Sem contar propinas que paguei para não ser fichado em batidas policiais e os acidentes causados pela minha embriaguez.

Olho para o passado e vejo um tortuoso caminho de desgoverno, violência e desequilíbrio. Atrasos, discussões e brigas com colegas de trabalho, insubordinação e vergonha para minha família. Uma dessas situações foi quando fui expulso da festa de confraternização da empresa, no natal de 2008. A regra era consumir só cerveja, mas eu e alguns colegas levamos bebidas destiladas. Já cheguei embriagado. Um dos diretores abordou-me e disse que eu deveria retirar-me do ambiente. Depois de muita confusão, saí da festa com minha família humilhada.

Numa abordagem policial, de madrugada, tentei fugir. Depois de duas horas, fui detido e autuado por embriaguez, fuga, desacato à autoridade e agressão aos policiais. Na delegacia, descontrolado, agredi um escrivão. Para conter-me, os policiais usaram força moderada – o que me deixou quinze dias de cama. Quando voltei ao trabalho, deram-me férias que já estavam vencidas. O supervisor, meu amigo, emprestou-me uma casa no litoral para eu levar minha família. Na primeira noite, fomos jantar na orla, pedi uma dose para relaxar e, quando vi, lá estava eu, envolvido em mais uma briga de bar, que me custou a noite na prisão. Minha família voltou para casa assustada e sozinha.

Na empresa, minha situação ficou insustentável e fui encaminhado para internação psiquiátrica. O médico que me atendeu pediu, educadamente, que eu fechasse a porta e, sem rodeios, disse que meu problema era outro: senhor Manoel, o senhor é um doente alcoólico. Sei disso porque eu também sou. Poderia ficar aqui falando com o senhor durante horas, mas vou usar somente dez minutos para contar-lhe um pouco da minha vida e dizer que o senhor deve procurar Alcoólicos Anônimos. Não existe nenhum remédio que eu possa oferecer-lhe, a não ser este: noventa reuniões de A.A. Depois disso, o senhor decide o que quer da sua vida: continuar nas reuniões, ou beber e se matar. Procure uma reunião hoje mesmo, amanhã pode ser tarde demais. Mas o senhor é quem deve tomar a decisão.

Saí do consultório aturdido. Meu irmão, que me acompanhava, já tinha em mãos o endereço do grupo mais próximo e o telefone do plantão 24 horas. Eu detestava falar ao telefone. Nas viagens, quando ligava para empresas pedindo orientação, sempre era mal atendido. As pessoas pareciam não gostar do meu jeito de falar. Mas telefonei e, ao contrário do que esperava, fui muito bem tratado e orientado. 

No dia 27 de maio de 2009, ingressei no grupo Renascer, do bairro dos Pimentas. Assisti às noventa reuniões e soube, afinal, o que queria da minha vida.

Depois de ser bem recebido no grupo, logo fui integrado ao serviço. Acompanhei uma divulgação na igreja da comunidade, e, vendo meu interesse, os companheiros convidaram-me para a reunião do Comitê Trabalhando com os Outros (CTO) do distrito. Mesmo acanhado, pois sempre tive receio de expor minha pouca instrução escolar, fui. Lá, fiquei sabendo de um simpósio sobre CTO. Não perdi a oportunidade, pois já estava há cinco meses na irmandade. No simpósio, de-pois de uma temática sobre o plantão telefônico, não tive dúvida e me candidatei a plantonista. Queria atender as pessoas como fui atendido em A.A., como sempre quis que me atendessem.

No primeiro dia de plantão, não toquei no computador. Sempre tive dificuldades com a escrita. Lia até de forma razoável – mas escrever – E agora – Cheguei em casa e falei com minha filha. Rapidamente, ela abriu seu computador e disse: é fácil, pai, o senhor vai ver. No segundo plantão, eu já sabia abrir arquivos e fazer pesquisas no Google. Acabou meu medo, assumi serviços no grupo, no distrito e no plantão telefônico. Hoje, somos cinco plantonistas: minha ação incentivou outros companheiros a participarem do plantão. 

Na empresa, minha vida também mudou. Reconheceram minha boa vontade e não estou mais na estrada. Hoje, faço supervisão logística das cargas. Acompanho problemas, quebras de caminhões, correções nos trajetos e até cálculos de planilhas de custos; coisas que, pela minha experiência, posso solucionar ou pedir orientações. Isso tudo por aplicativos que manuseio do meu celular, na palma da mão.

Às vezes, lembro-me de que, antes de entrar em A.A., eu nunca tinha tocado num teclado de computador, nem sonhava em ter uma presença tão efetiva na empresa como tenho hoje. Não consigo medir o quanto devo à Irmandade – e ao serviço – pela sobriedade e serenidade concedidas à minha vida. Sou pai de família e emociono-me quando penso na direção que tomei ao ingressar no programa dos Doze Passos. Obrigado aos companheiros, por me permitirem fazer parte dessa dádiva do Poder Superior.

  Manoel
 Guarulhos/SP  Edição 180 – Página: 9