“Olhei para cima e vi dois grandalhões de mais de 1,80m de altura, de aspecto muito agradável. Passado pouco tempo estávamos contando vários incidentes de nossas vidas de bebedores e, naturalmente, não demorei muito para perceber que vocês sabiam do que falavam…. Muitas pessoas já tinham falado comigo a respeito da minha maneira de beber – de fato, vinham-me visitar e eu ficava calado e não lhes fazia caso algum. Diziam-me que eu deveria parar de beber. Certamente, eu sabia disso melhor do que eles; porque além de saber tudo o que eles sabiam, somente eu sabia o quanto doente ficava.
Vocês dois eram muito simpáticos, e após um momento, lembro que eu estava falando mais que ninguém… Assim, depois de ouvir uma parte da minha história, você disse ao Doc – não acredito que saiba que ouvi o que você disse, mas ouvi – você lhe disse ‘Parece-me que vale a pena trabalhar com ele e salvá-lo’”.
Bill D., que mais tarde seria conhecido nos círculos de A.A. como o A.A. nº 3 e “o homem na cama”, seguiu falando: “Vocês dois me disseram, ‘Quer deixar a bebida? Não é assunto nosso sua maneira de beber. Não estamos aqui para lhe tirar nenhum direito ou privilégio, porém, temos um programa através do qual acreditamos poder mantermo-nos sóbrios. Parte deste programa supõe que o passemos a outra pessoa que o necessite e o queira. Se você não o quer, não lhe faremos perder mais tempo, iremos procurar outra pessoa’”.
A seguir, fizeram várias perguntas a Bill D.: Acreditava que poderia deixar a bebida por si próprio e sem ajuda? Acreditava em um poder superior? E, se era assim, estaria disposto a recorrer à ajuda desse poder superior? Deixaram Bill para que ele próprio pudesse considerar tudo aquilo; e ele, ali, prostrado na cama do hospital, fez um repasse mental da sua carreira de bebedor.
Bill D., prossegue: “Pensei no que a bebida tinha feito comigo… as oportunidades perdidas, pensei nas possibilidades e nas coisas que me tinham sido oferecidas e como desperdicei todas elas e cheguei à conclusão de que se não queria deixar a bebida, deveria querer deixá-la…”
Quando aqueles dois homens voltaram mais tarde, o Dr. Bob perguntou a Bill D., se queria parar de beber. “Sim, Doc”, disse Bill. “Gostaria de deixar a bebida cinco, seis ou oito meses pelo menos, até que possa colocar as coisas em ordem e começar a ganhar o respeito da minha mulher e de outras pessoas, consertar minha situação financeira e coisas assim.
Vocês dois puseram-se a rir com vontade. Depois, um dos dois olhou para minha cara e disse: ‘Temos algumas notícias ruins. Para nós foram notícias más, e provavelmente também o serão para você. Mesmo que se distancie da bebida seis dias, ou seis meses, ou seis anos, se você voltar a tomar um trago, irá voltar a ficar amarrado de novo a uma cama neste hospital, onde já passou boa parte dos últimos seis meses. Bill D., você é um alcoólico’.
Segundo lembro, essa foi a primeira vez que reparei nessa palavra. Acreditava que era um bêbado. E vocês me disseram: ‘Não. Você sofre de uma doença e importa muito pouco o quanto tempo esteja distante da bebida. Se você tomar um par de tragos irá acabar na mesma situação em que se encontra agora’. Essas notícias pareceram-me muito desanimadoras naquele momento”.
A pergunta seguinte que Bill W., e o Dr. Bob fizeram a Bill foi se ele acreditava que poderia ficar 24 horas sem beber. “Mas é claro… qualquer pessoa pode fazer isso”, disse Bill. “É disso que estamos falando precisamente. Apenas 24 horas a cada vez”, lhe falaram os dois cofundadores de Alcoólicos Anônimos. “Estas palavras me tiraram um grande peso de cima. A cada vez que me encontrava pensando na bebida, não me via passando muitos longos e áridos anos sem beber, mas apenas um breve período de 24 horas”, disse Bill D.
A Bill D., lhe parecia que Bill W., e o Dr. Bob estavam verdadeiramente contentes por estar sóbrios e disse: “Pareciam estar tão perfeitamente contentes com sua sobriedade, podia-se ver claramente, e falavam com tanta segurança que, passados alguns dias, comecei, junto com a minha mulher, pelo menos até um certo grau, que eu também poderia conseguir… Não me preocupava com a possibilidade de que o programa pudesse não surtir efeito, porém, não me sentia absolutamente seguro de poder continuar a prática do programa. Entretanto, cheguei à conclusão de que estava disposto a fazer todo o possível para alcançá-lo.
Fiquei mais oito dias no hospital. Durante esses dias comi apenas chucrute e tomates crus. O dia 4 de julho, Doc visitou-me no hospital e eu tinha uma amiga que me havia oferecido uma casinha à beira de um lago onde poderia ficar durante uma semana. Assim, ao sair do hospital, Bill W., o Dr. Bob e Anne, e eu e minha mulher, viajamos apinhados em um carro para aquela casinha. Não havia bebidas alcoólicas na casa. No começo foi muito duro. Quase todo o dia recebíamos visitas e viajávamos até uma pequena ilha para almoçar ao ar livre e tratar de desenvolver atividades para nos manter sóbrios. Certamente que a boa companhia e o estar sempre ocupados foram de grande ajuda. Passei mais de uma semana nesse local. Não foi nada fácil, mas estava disposto a seguir em frente para me desfazer daquele problema que eu tinha…
Com o passar dos dias, comecei a recuperar minha saúde e deixei de me sentir como se sempre tivesse que ficar escondido. Continuo assistindo às reuniões porque gosto de assistir. Nelas, encontro pessoas com as que gosto falar. Outra razão que tenho para continuar assistindo é que continuo a ser grato pelos bons anos que tenho passado”. Contou Bill D., a Bill W.
Bill D., morreu em Akron na noite da sexta-feira, 17 de setembro de 1954. Em sua memória Bill W. escreveu: “Melhor dizendo, as pessoas dizem que morreu, mas de fato não é assim. Seu espírito e seu exemplo ainda vivem nos corações de incontáveis membros de A.A.; e não há a menor de que Bill D., já ocupa uma das inúmeras moradas do além… A força do belo exemplo que nos deu em nossa época pioneira, irá durar tanto tempo quanto nossa mesma Irmandade”
PARA SABER MAIS:
O quadro a óleo acima foi pintado pelo artista e membro de A.A., Robert M., em 1955 para ilustrar a edição de Natal da revista Grapevine em dezembro daquele ano. Nele, o pintor retrata os dois cofundadores de A.A., Bill W. e o Dr. Bob, levando a mensagem a um homem acamado que o público identificou como sendo o terceiro membro, ou seja, Bill Dotson (1892–1954).
Seu título original foi “Came to Believe” ou, “Viemos Acreditar”. A pintura logo se tornou muito popular entre os membros da Irmandade e reproduções simples, a quatro cores, foram disponibilizadas para venda.
Em maio de 1956 a tela foi presenteada pelo autor a Bill W., que a emoldurou e pendurou no escritório de sua casa, em Bedford Hills, Nova York, onde permanece depois de a casa ser convertida em museu. Em sua carta de agradecimento ao artista, Bill escreveu: “Ao olhar para seu quadro, pode-se ver o coração e a essência de A.A.”.
Em 1973, com a publicação do livro “Came to Believe” ou, “Viemos Acreditar”, e para evitar confusões, os editores da Grapevine mudaram o titulo da ilustração para “The man on the bead”, ou “O homem na cama”. (Bill D. não chegou a ver a pintura; ele havia morrido em 17/09/1954).