O companheiro não teve dúvidas: adotou um padrinho, mesmo recebendo um “não”.
Em uma de minhas primeiras reuniões de A.A., posso me lembrar de ter olhado por cima das mesas e escutado um membro veterano explicar como ficar sóbrio e permanecer sóbrio. O nevoeiro alcoólico no qual eu estava, tornou o evento meio como que um sonho, mas era real. A fala do homem, clara, honesta, muitas vezes franca demais, chegou até Amim e me fuiou para dentro da irmandade. Em meu desespero para achar um meio de parar de beber, reconheci imediatamente que essa pessoa tinha resposta. A resposta era o programa de A.A.
Acho que o assunto que estava sendo discutido era o apadrinhamento.
Terminada a reunião, fui direto até o homem e pedi-lhe para ser meu padrinho. Ele me disse que não poderia, porque já tinha gente demais para apadrinhar. Aparentemente, eu não era o primeiro a reconhecer que esse cara tinha uma resposta.
Isso não me impediu de ir atrás dele, onde quer que fosse. Eu fazia questão de sentar ao lado dele nas reuniões. Falava com ele e lhe fazia perguntas.
Ele tinha uma pequena mercearia na vizinhança, onde eu podia ir visitá-lo durante o dia. Muitas vezes passei minha hora de almoço na mercearia dele.
Ele me disse que, se eu alguma vez quisesse beber, ele me compraria a primeira garrafa e também uma banana para pisar em cima, assim eu poderia dizer tinha “escorregado”. O único quesito era que eu lhe desse, antes disso, dez minutos no quartinho atrás da mercearia, para trocar umas idéias.
Uma vez que ele era um homem alto e forte, e um ex-sargento aposentado da II Grande Guerra, nunca aceitei essa oferta.
Em pouco tempo, ele começou a me convidar a ir com ele a eventos de A.A. Havia encontros de jantares anuais, Assembleias de Áreas, encontros em outras cidades, reuniões carcerárias. O programa dele era um programa de ação.
Freqüentemente, ele ofendia as pessoas, ao “voluntáriá-las” para o serviço, ou ao fazer o inventário delas. Mais de uma vez ele pisou no meu orgulho, e muitas vezes me mandou fazer coisas que eu não achava estar pronto a fazer.
Algumas vezes ele me irritava, e eu comecei a achar que ele era intolerável. Andei chamando-o de chato e de “gordão”. Então, me explique: por que estou chorando ao escrever este artigo? Ele foi o melhor padrinho que eu não tive.
Hoje descobri que a minha necessidade de ter afilhados é tão grande quanto a do novato de ter um padrinho. Uma grande parte do meu programa gira em torno de apadrinhar. E não se tornou assim só por eu dar meu cartão às pessoas, pedindo-lhes que me liguem. Raramente recebi um chamado, enquanto tentei essa aproximação. Minha sobriedade é preciosa demais para esperar que os novatos tomem a decisão entre pegar o copo ou pegar o telefone. Eu pego o telefone deles e lhes ligo. Convido-os a virem comigo para as reuniões de Distrito, às Assembleias de Área ou as palestras.
Através do apadrinhamento, recebo sobriedade, humildade e paz de espírito. Mas o sucesso ou o fracasso dos novatos não é comigo – isso é determinado por eles e por seu Poder Superior.
As palavras da Oração de São Francisco finalmente significam alguma coisa para mim, e eu medito regularmente sobre elas. Tentar receber os benefícios da oração decorando as palavras, não funcionou para mim. Partindo para a ação e fazendo o que as palavras diziam, funcionou. Como diz uma inscrição em um caneco de café de um amigo meu, significando mais ou menos a mesma coisa: “Não existe amor como aquele que um bêbado sente por outro bêbado”
(Grapevine, junho 1991)
Revista Vivência n° 36 – jul/ago 1995.