Na tarde de 02 de abril de 1840, quase cem anos antes do nascimento de A.A., seis companheiros de bebedeiras se reuniram em um botequim da cidade de Baltimore, Estado da Virgínia, nos Estados Unidos da América.
Quanto mais bebiam, mais falavam sobre o tema da temperança, que era um dos assuntos mais populares da época. Essa reunião, assim como os encontros posteriores, deram origem à formação, para a curta, mas espetacular existência do Movimento dos Washingtonianos, que chegou a contar com mais de 400.000 membros “alcoólicos recuperados”, para poucos anos depois, da noite para o dia, desaparecer totalmente.
A história do Movimento dos Washingtonianos demonstra nitidamente, a importância das Doze Tradições de A.A. como guia de comportamento para os nossos grupos e organismos de Serviço, montadas que foram para proteger-nos de um destino semelhante. O hábito de desprezar nossas Tradições, ou de ignorá-las, nos legou, pelo menos, alguma marca negativa em nosso inventário.
Até a já mencionada reunião de 1840, prevalecia a opinião de que nada era possível fazer pelos doentes do alcoolismo e, mesmo as palavras “alcoólico” ou “alcoolismo”, não era de uso comum. Os poucos casos conhecidos de recuperação de alcoólicos, não influíam no pessimismo geral sobre as possibilidades de recuperação. E, como se acreditava que o álcool era a causa do alcoolismo, muitos movimentos de temperança, então existentes, orientavam sua atuação no sentido de evitar que os não alcoólicos no alcoolismo ingressassem. Seu lema era:
“Mantenhamos sóbrios os sóbrios; os bêbados que morram e nos deixem em paz”.
Em 05 de abril de 1840 os seis companheiros já referidos, novamente se reuniram no mesmo botequim, ao redor de uma garrafa de bebida alcoólica e, alegremente, brindaram as virtudes da temperança, enquanto condenavam a maldição do alcoolismo.
Embora existisse um bom número de Grupos de Temperança, nenhum deles parecia interessar a esses seis companheiros. Como bons bebedores que eram, decidiram formar seu próprio grupo; elegeram-se diretores e firmaram uma promessa de total abstinência, com o seguinte texto:
“Nós, cujas assinaturas aqui constam, com o propósito de constituir, para o nosso próprio benefício e para proteger-nos de costumes perniciosos que são prejudiciais à nossa saúde, nossa reputação e nossas famílias, nos comprometeremos, como cavalheiros, a não ingerir qualquer bebida alcoólica, nem licores, nem vinhos de cidra”.
Escolheram o nome Sociedade de Temperança Washington, em homenagem a George Washington, estabelecendo uma cota de inscrição em dinheiro, junto com uma contribuição mensal. Com calorosos abraços se despediram, ficando combinado que, cada um deles, traria um novo sócio ao botequim para a próxima reunião. E se mantiveram sóbrios.
Como resultado do crescimento do número de associados e, devido às solicitações desesperadas do dono do botequim, o grupo decidiu alugar uma sala e, ao mesmo tempo, tornar habitual as reuniões semanais.
Nessas reuniões desenvolveram um método único de procedimento, onde cada orador contava sua própria história, calcada no seguinte:
“Como era eu; o que me aconteceu e, como sou agora”.
Esta ideia obteve sensacional aceitação, contribuindo para um enorme e rápido crescimento ao Movimento. A abstinência total parecia um milagre.
Em novembro de 1840, realizaram sua primeira reunião pública. Os jornais deram ampla cobertura ao acontecimento nas reportagens incluindo o nome completo dos fundadores. A quantidade de público fora tão grande, que só havia poucos lugares de pé. Tanto aos alcoólicos, como os não alcoólicos; a todos os que se comprometiam à total abstinência; deu-se boas-vindas ao Grupo.
Uns cinco meses mais tarde, o Movimento Washingtoniano declarava constar de seus quadros mais de 1000 alcoólicos recuperados e uns 5000 membros indecisos quanto à conclusão se eram, ou não, alcoólicos, mas que já haviam se comprometidos a manter uma abstinência absoluta, bem como outros 1000 que defendiam uma temperança total, em todos os sentidos e que viam com muito entusiasmo o crescimento da cruzada dos Washingtonianos.
Como bons e entusiasmados propagandistas que eram, os membros organizaram e participaram de um espetacular desfile, com banda de música, balizas, estandartes, que foi presenciado por mais de 40.000 pessoas em Baltimore. Após o desfile, houve uma grande reunião ao ar livre para divulgação de sua mensagem do “12º Passo”.
Diziam: “Alcoólico, venha até nós. Você pode se recuperar. Ainda esta manhã estivemos com um homem que se recuperou já faz 4 semanas e estava feliz com a sua abstinência. Não desprezamos os alcoólicos, amamo-nos, guiamos, assim como uma mãe guia seus filhos nos primeiros passos”.
As lágrimas caíam copiosamente sobre a mesa da secretária, na medida em que centenas de pessoas subiam ao palanque para assinar seus compromissos de total abstinência. A atmosfera emocional estava saturada de uma contagiante esperança. Os grupos religiosos aceitaram seu programa.
Samuel F. Holbrook, o primeiro Presidente da Sociedade, explodia em altas palavras, com relação ao papel desempenhado por Deus na recuperação dos alcoólicos, dizia:
“Ao cambaleante alcoólico que encontramos na sarjeta, ou retiramos de seu meio, damos apoio, falamos como amigos, levamos às nossas reuniões. Em nosso grupo ele se encontra rodeado por novos amigos, não do que mais temia, a polícia. Todos lhe estendem as mãos; começa a recuperar-se e, quando já se sente sóbrio, assina o compromisso de manter-se abstêmio e volta à rua como um homem recuperado. E seu caso não termina aí, ele cumpre a sua promessa e, dentre seus companheiros de bebedeiras, logo traz outros que, de sua parte, assinarão o mesmo compromisso, trarão outros. Esses são fatos positivos que se pode constatar.”
Então pergunto: – Pode algum movimento da humanidade demonstrar isso por si só? A minha resposta é um redondo “NÃO”. Nós temos o testemunho invariável de um vasto número de homens recuperados que dizem publicamente que haviam deixado de beber diversas vezes para, logo a seguir, recair nas bebedeiras e, entendem que, seu atual comportamento, deriva da total confiança da força desta nova decisão, sem qualquer preocupação de olhar um pouco mais alto. Depois, sentem que, necessitam da ajuda de Deus que, uma vez conseguida torna a recuperação completa.
Não foi possível manter os milagres dos Washingtonianos dentro de seus limites geográficos. Seus membros estavam convencidos de que deles dependiam o socorro para os mais aflitivos casos; os alcoólicos recuperados e em atividade dentro do Movimento comprovaram, com seus exemplos, que podiam ajudar aos alcoólicos e estavam possuídos de uma extraordinária disposição de levar sua mensagem. Depois, essa campanha se ampliou no sentido de evitar o mesmo sofrimento, pela persuasão, aos ainda não atingidos pelo alcoolismo, objetivando que prosseguissem com a sobriedade através de uma total abstinência. Os líderes mais influentes do Movimento eram de opinião de que necessitavam de bons “vendedores” para espalhar a mensagem de prevenção e, os membros dos Grupos Washingtonianos, proporcionaram uma vasta relação de pessoas disponíveis.
A cidade de Nova Iorque lhes serviu de cenário. Em março de 1842, Washingtonianos e espectadores se reuniram na igreja da Rua Green; no transcurso do primeiro discurso, um jovem que estava no auditório se levantou cambaleando e disse: – “Não haverá alguma esperança para mim? Deus do céu, não haverá esperança? Vocês podem me ajudar?”. O ajudaram a chegar até o palco e, ali mesmo, manifestou sua vontade de assumir o compromisso, partir de então, de absoluta abstinência.
Outros o seguiram; uns jovens como ele; outros, de cabeças grisalhas. Os Washingtonianos receberam a todos eles e, uma organização paralela feminina, conhecida como Sociedade Martha Washington, alimentava e vestia os mais necessitados, enquanto buscava apoio e adeptos dentro do próprio sexo.
Em menos de quatro anos da relatada reunião no botequim, o número de Washingtonianos chegava ao máximo. Nessa época, se estimava que o Movimento incluía, no mínimo 100.000 “alcoólicos recuperados; 300.000 “bebedores normais” que, também, se mantinham em total abstinência, bem como incontável número de admiradores entre os membros dos Movimentos de Temperança.
Mas logo chegaria ao esquecimento total. Pelo ano de 1848, tudo o que restava da espetacular e poderosa organização como método original de tratamento do alcoolismo, era o Asilo dos Decaídos, em Boston. Essa organização, assim mesmo, sofreu numerosas modificações, no nome e na orientação e, atualmente funciona com o nome de Hospital Washingtoniano, se dedicando ao tratamento do alcoolismo mediante sistemas médicos modernos e técnicas sociais. Nos demais aspectos o Movimento se autodestruiu por completo. Com ele, desapareceu a esperança de milhares de alcoólicos de sua época. Tendo a breve história anterior por exemplo, é possível efetuar uma limitada comparação entre o Movimento Washingtoniano e Alcoólicos Anônimos e, meditar sobre as possibilidades de A.A. ter um destino semelhante.
As semelhanças são as seguintes:
1) Alcoólicos se ajudando mutuamente;
2) Reuniões semanais;
3) Experiência compartilhada;
4) Permanente disponibilidade para ajudar os grupos e seus membros;
5) Confiança em um Poder Superior e,
6) total abstinência ao álcool.
Embora óbvio que o programa dos Washingtonianos fosse incompleto, contendo limitadas possibilidades para a modificação da personalidade se comparado aos Doze Passos de Alcoólicos Anônimos, nasceu da experiência dos que conseguiram a sobriedade; mesmo que por pouco tempo; de milhares de alcoólicos. Porém, falhou em não oferecer um método de conduta, para membros e grupos, que fosse comparável às Doze Tradições de Alcoólicos Anônimos. Como não existiam garantia de salvaguarda para o Movimento em seu conjunto, este morreu. A maioria dos problemas dos Washingtonianos se situaram em áreas que estão amplamente protegidas em nossas Tradições:
- 1) O preâmbulo e nossa 5ª Tradição nos aconselham a proteger nosso único objetivo; a 1ª Tradição nos aconselha cautela, para conservar nossa Unidade. Sem essas orientações, o Movimento Washingtoniano se converteu em um monstro de 3 cabeças: a primeira, o programa para atingir a recuperação dos alcoólicos; a Segunda, o convite ao público em geral para conseguir a temperança através da persuasão moral e, a terceira, a exigência de total temperança nacional pelos meios legais. Homens de enorme influência controlavam a ação de cada uma das cabeças e, não levou muito tempo, as cabeças lutavam entre si.
- 2) As táticas carnavalescas de promoção e a absoluta falta de qualquer princípio de anonimato criaram uma atmosfera de crescimento espetacular; porém, conduziram ao mesmo tempo, as lutas entre as personalidades que buscavam prestígio e poder. Cem anos depois Alcoólicos Anônimos adotou as 11ª e 12ª Tradições que indicam que devemos basear nossas relações com o público na atração, no lugar da promoção; a manter o anonimato pessoal ao nível da imprensa; a considerar o anonimato como “fundamento espiritual… que nos recorda que devemos sempre ter que os princípios estão acima das personalidades.
- 3) Não há nada que possa dividir um grupo com maior rapidez do que a controvérsia política ou religiosa. A 10ª Tradição diz que: “Alcoólicos Anônimos não têm qualquer opinião sobre assuntos alheios as suas atividades” e que o membro de A.A. nunca deve envolver-se em polêmicas públicas. Sem possuir esta Tradição, os Washingtonianos ingressaram nesse campo. Chegou ao conhecimento de alguns líderes religiosos que, alguns alcoólicos recuperados, proclamavam publicamente que, “eles, entre outras coisas, é que estavam praticando verdadeiramente o Cristianismo, não alguns pastores que conheciam e que apenas falavam em Cristo”. Em represália o Reverendo Hiram Mattison, ministro da Igreja Metodista Episcopal de Watertown, N.Y., tornou pública a seguinte comunicação: – “Nenhum cristão tem liberdade para selecionar ou adotar algum sistema, organização, agência ou métodos de reforma moral da humanidade, com exceção daqueles prescritos e reconhecidos por Jesus Cristo”.
- Acrescentava que sua igreja havia sido escolhida junto com o seu Evangelho, como o sistema da verdade e único para reformar a humanidade. Isto era a guerra. Outras igrejas reagiram da mesma forma, até fecharem suas portas aos Grupos Washingtonianos.
- 4) E como se esse fato grave fosse pouco, alguns membros do Movimento se tornaram oradores profissionais, por não contar com a orientação de uma 8ª Tradição. Dessa forma, sua mensagem de “alcoólico para alcoólico”, perdeu toda força de atração.
O ponto final da destruição aconteceu quando, alguns influentes líderes de movimentos não alcoólicos, decidiram que a necessidade de os ex bebedores recuperarem outros alcoólicos já havia sido ultrapassada e, agora, se deveria concentrar todo esforço na criação de novas leis destinadas a promover a temperança. Enquanto efetuava as investigações para escrever este artigo, várias vezes me ocorreu o seguinte pensamento: “Depois que os Washingtonianos se autodestruíram, o que teria ocorrido com os seus milhares de membros?” E, esse pensamento se converteu numa indagação pessoal: – “O que aconteceria comigo?”
Durante os primeiros tempos do programa, especialmente antes de elaboradas as Doze Tradições, Alcoólicos Anônimos passou por muitos dos problemas que destruíram os Washingtonianos. O fato de havermos sobrevivido aos mesmos perigos, é um dos milagres de Alcoólicos Anônimos.
Porém o dia só tem 24 horas!
Traduzido da Revista Plenitud, México
Publicação original de Grapevine, USA/Canadá
Publicado no Bob nº 33, jan/fev 1985