A frase dita no depoimento de uma companheira e amiga me encheu de esperanças. Iluminada por Deus, ela falava com entusiasmo de sua vida e suas longas vinte e quatro horas. Como mães e donas-de-casa, as nossas histórias como alcoólicas se assemelhavam num passado cheio de dor e ressacas. De uma lado, em meio a gestos e expressões, as palavras fluíam seguramente, transmitindo a paz enfim resgatada. Do outro, sob forte emoção, apenas esperanças.
Era noite de junho/94. O retorno à sala e o propósito de viver um dia de cada vez. Como ela, bebi durante longos anos. Muito embora meu marido não bebesse, trazia sempre a minha bebida preferida nos finais de semana. Não havia problemas em relação ao álcool, até eu descobrir a importância dele em minha vida. Com o tempo as doses foram aumentando e, consequentemente, a frequência aos porres.
A tranquilidade e a paz foram logo substituídas por desentendimentos e tristezas. As garrafas, agora escondidas, eram distribuídas em pequenos frascos espalhados em lugares estratégicos, onde eu pudesse beber sem correr o risco de ser flagrada. Enfim, minha casa virara um depósito de bebidas. Lembro que na época eu trabalhava como funcionária pública e, por força da droga, fui obrigada a afastar-me, com o intuito de submeter-me a um tratamento terapêutico. Procurei um bom psiquiatra, especialista no assunto, mas ele não pôde fazer muito por mim. Mente e corpo desocupados, a ociosidade definitivamente me levou ao fundo do poço. Interrompi a terapia e passei a beber literalmente todos os dias, isolando-me da família e dos amigos com um único objetivo: beber.
Sete meses nesse inferno, me transformei numa mulher feia, gorda, mal cuidada e com enorme sentimento de culpa e auto piedade.
Início de 1989. Minha irmã esteve comigo e pela primeira vez ouvi falar de A.A. em minha cidade. Parecia-me distante e de difícil acesso. Ingressei na terceira reunião e na companhia dela frequentei regularmente os primeiros três meses. Nunca esqueci as primeiras reuniões com seus depoimentos marcantes. A sensação de bem-estar era imensa, mas eu nada entendia. “Nunca mais” era muito forte para minha cabeça, enquanto 24 horas não era tempo suficiente e eu não estaria “curada”. Essa confusão gerou uma primeira recaída, seguida de outras e outras, sucessivamente. Os meus filhos que antes me apoiavam, passaram a olhar-me com indiferença e desprezo. Para eles, não havia justificativas, uma vez que eu já conhecia a Irmandade. Meu marido não sabia qual situação seria pior: admitir a mulher alcoólica e aceitar-me na condição de membro de A.A., ou ter que conviver com uma bêbada. Entre dúvidas, questionamentos, retornos e recaídas passaram-se seis anos.
Aquela noite de junho, em companhia de adoráveis irmãos, superou todas as minhas expectativas. O compromisso de reingresso veio juntamente com uma soma de valores e renúncias, aceitação, conscientização e ainda, como presente, ganhei a amizade da companheira que, através do Poder Superior, levou-me de volta à sala. Na época, não nos conhecíamos mas ela sabendo da minha dificuldade de permanência em A.A., procurou-me várias vezes, pacientemente. Hoje, amigas e companheiras, temos quase que uma necessidade de apoio mútuo. Dessa forma, os nossos problemas pessoais, compartilhados, facilitam a nossa programação, nos reforçando por mais vinte e quatro horas.
Graças ao Poder Superior, aprendi a ser mais paciente e tolerante comigo mesma, permitindo que o próprio tempo se encarregasse de devolver a serenidade suficiente para conviver normalmente com os perigos e ameaças que nós, alcoólicos, estamos sujeitos a enfrentar no dia-a-dia.
Certamente, as reuniões sociais regadas a bons vinhos e uísques importados vão continuar acontecendo. Acredito no tempo e na minha recuperação. Acredito ainda que muito em breve também farei parte de tais reuniões e certamente, como minha amiga, no convite ao drinque, direi com calma e confiança: “Obrigada eu não bebo”.
Ana Paula – RN
Vivência 41 – Maio/Jun 96