Paz por estar entre iguais

Paz por estar entre iguais

Encontrar um AA nas ruas da cidade e transmitir a mensagem são facetas da vida simples que o companheiro encontrou na Irmandade.

Corria o ano de 1987. Minha situação física estava cada vez pior pelo fato do consumo exagerado de bebida alcoólica. Eu sabia disso e tenta- va parar, mas não conseguia. Muitas, mas muitas vezes mesmo, parei para pensar sobre o assunto, conversava com parentes e amigos e fazia propósitos firmes, mas nada adiantava.

Em minha vida fui vereador e prefeito em nossa cidade. Também fui deputado estadual por várias legislaturas e assumi funções na Assembleia Legislativa. Acho que, por isso, eu tinha vergonha de comprar bebida. Quando ia ao supermercado comprar uísque e, no inverno, conhaque, mandava embalar para presente, pois tinha muitos amigos aniversariantes a quem enviar. Em casa, dava risada, pois tinha enganado a moça dos pacotes. Abria as garrafas e começava tudo de novo. Isso ocorria seguidamente.

Certo dia, resolvi chamar João, pois precisava falar com ele a respeito do meu modo exagerado de beber. Eu o conhecia, sabia que ele bebera muito e tinha conseguido parar de beber frequentando Alcoólicos Anônimos. Meu cunhado estava presente naquele momento. Ambos falaram-me sobre a doença alcoolismo e, também, sugeriram-me uma clínica de recuperação na capital. Optei por fazer um tratamento nessa clínica. Meu cunhado prontificou-se a levar-me até lá. Isso aconteceu no dia 23 de outubro de 1987. Nessa clínica eu ia às reuniões do grupo de A.A. local, mas não acreditei muito no seu programa.

Voltando à cidade, conversava quase diariamente com João, mas não quis participar do Grupo em nossa cidade. Fiquei sóbrio por aproximadamente quatro meses, até que, numa ocasião, indo para minha fazenda onde criava peixes, parei num bar do trajeto e deu-me vontade de experimentar uma cerveja. Só uma mesmo, para ver como ficava. Senti-me muito bem, gostei. Daí em diante, eu saía aos sábados para tomar umas cervejas. Em cada bar que entrava, tomava uma ou duas e ia a outro bar, para ninguém pensar que eu fosse exagerado no meu modo de beber. A progressividade da doença alcoólica foi crescendo e voltei a beber mais em casa. Só ia a bares quando me achava bom e seguro para isso. Meus familiares faziam-me recomendações, mas isso de nada adiantava. Minha necessidade era tão grande que eu não os ouvia.

No começo do ano de 1992, resolvi telefonar, pedindo ajuda. Eles chegaram minutos depois. Falei que tinha bebido uns uísques para criar coragem e, para provar, mostrei-lhes o litro ainda com um pouco de bebida na hora que não mais queria me internar. Queria uma solução na cidade mesmo. João sugeriu-me tomar refrigerante, comer uns chocolates, repousar bastante e procurar dormir. Minha irmã providenciou logo um monte de garrafas de refrigerante e uns pacotes de chocolate. Com isso, passei uns dias e achei-me melhor. Falava com João e outra pessoa todos os dias, e eles enfatizavam que, sem ir ao grupo de A.A., minha recuperação seria difícil. Era preciso admitir minha impotência perante o álcool. Agora estava mais consciente e já aceitava isso. Na reunião seguinte, não compareci porque um tio meu falecera e fui ao seu enterro. Não reclamaram. Na reunião seguinte, ocorrida no dia 15 de março do mesmo ano, compareci e recebi minha pequena ficha amarela que guardo até hoje.

A partir dessa data, não mais bebi e só me preocupei em praticar o um dia de cada vez, evitando o primeiro gole. Comecei a praticar os princípios do programa de Alcoólicos Anônimos, lendo bastante e procurando conversar, sempre que possível, com meu padrinho e com os demais companheiros. Assim, pareceu-me mais fácil viver em paz. Como era bonito e bom encontrar algum companheiro na rua, nas lojas ou mesmo em um supermercado! Isso me dava uma tranquilidade e transmitia uma paz para a qual não há explicação. Pelo simples fato de falar de mim nas reuniões ou mesmo na casa de um membro de A. A., fui descobrindo meios de superar meus remorsos do passado e perder o medo do amanhã. De fato, a vida simples que Alcoólicos Anônimos me proporciona é o que sempre quis. Queria viver sóbrio e feliz, estou conseguindo.

Procuro levar a mensagem a alguns amigos, e a outros quando solicitado. Pude encaminhar um amigo à mesma clínica onde João e eu estivemos. De lá, voltou e não mais bebeu. Outro a quem fomos levar a mensagem de A.A. f oi um companheiro que, por muito tempo, deu-nos a felicidade de sua presença em nosso meio. No dia de seu sepultamento, sua esposa pediu-me para colocar nas mãos do companheiro a ficha amarela de ingresso e eu, seu padrinho, o fiz.

Haveria muita coisa a escrever ainda, mas ando esquecido, talvez pelo consumo exagerado de bebida. Todavia, de evitar o primeiro gole, disso nunca mais esqueci.

Gosto de todos os companheiros de A.A. Não tenho vergonha de abrir meu anonimato às pessoas que falam comigo em relação ao alcoolismo. Faço questão de dizer a elas o que é nossa Irmandade, mostrando os benefícios que trouxe para mim e para muitas pessoas dessa nossa terra.

Anônimo
Vivência nº 170 – Novembro/Dezembro 2017